A produção de leite no Brasil possui enorme relevância econômica e social. Com mais de 1,6 milhão de produtores, sendo a maior parte pequenos e médios pecuaristas, o país ocupa posição de destaque no ranking mundial. Entretanto, para alcançar boa rentabilidade, a escolha da raça, o manejo nutricional e os custos de produção são fatores decisivos.
Entre as variáveis mais importantes está o potencial genético para produção de leite — determinado principalmente pela raça do rebanho. Por isso, conhecer as particularidades das principais raças leiteiras é essencial para quem busca eficiência produtiva e econômica.
Este artigo apresenta as características das principais raças leiteiras presentes no Brasil, suas médias produtivas, seus pontos fortes e fracos, além de análises sobre rentabilidade e estratégias de suplementação.
Panorama das raças leiteiras no Brasil
O setor leiteiro brasileiro é caracterizado por grande diversidade climática, produtores com diferentes níveis tecnológicos e, sobretudo, rebanhos bastante heterogêneos. Existe desde a produção de baixa escala com vacas mestiças, até fazendas altamente tecnificadas, com vacas especializadas de alto rendimento.
Alguns fatores influenciam diretamente a rentabilidade da atividade:
- Custo da alimentação (representa 48% a 70% dos custos totais);
- Preço do leite, que oscila conforme a região e período do ano;
- Produtividade individual das vacas;
- Eficácia do manejo nutricional e reprodutivo;
- Genética do rebanho e taxa de descarte;
- Sistema de produção (pastejo, semi-confinamento ou confinamento).
Considerando essa realidade, a escolha da raça deve levar em conta não apenas produtividade de leite, mas também adaptação ao clima, rusticidade, longevidade e custo de manutenção.
Principais raças de vacas leiteiras do Brasil
Holandesa: a campeã em volume de leite
A raça Holandesa é reconhecida mundialmente pela maior produtividade animal/dia, com médias por lactação amplamente superiores às demais raças. Em sistemas de alta tecnologia, vacas Holandesas podem atingir produções diárias acima de 25– 40 litros, podendo ultrapassar 70 litros/dia em sistemas de alta tecnologia.
Sua maior produtividade vem acompanhada de maior exigência em manejo, alimentação e sanidade, tornando essencial investir em conforto térmico e nutrição equilibrada para sustentar picos de produção e longevidade produtiva.
Jersey: eficiência em sólidos e pagamento por qualidade
A raça Jersey é menor em porte, mas muito eficiente. Produz leite com altíssimo teor de gordura (4,8–6,0%) e proteína (3,5–4,2%), favorecendo a produção de derivados, como queijos e manteiga. Em sistemas com bonificação por sólidos, a raça Jersey frequentemente melhora a receita por litro, mesmo com volume inferior ao da raça Holandesa.
Na prática, esses animais produzem em média de 20–25 litros, com lotes intensivos chegando a 30 litros/dia. Segundo dados da Associação Brasileira de Criadores de Gado Jersey, o mercado chega a pagar de R$0,15 a R$ 0,40 no litro do leite em função do maior teor de sólidos totais, variável de acordo com a região e o laticínio.
Gir leiteira e Sindi: zebuínas leiteiras adaptadas ao calor
A Gir leiteira é a raça zebuína de maior destaque para leite, amplamente utilizada como base para o cruzamento Girolando; combina rusticidade e produção sob calor e parasitas.
A raça Sindi, também zebuína, é rústica, de porte menor, com dupla aptidão, importante para regiões semiáridas. A Embrapa Semiárido mantém um núcleo de conservação com pureza genética certificada (ABCZ), visando difusão de material adaptado ao calor e baixa disponibilidade hídrica.
Apesar das raças Gir e Sindi não liderarem em volume de produção, quando comparadas à raça Holandesa, trazem robustez a sistemas de clima quente e seco, sendo estratégicas em cruzamentos para resiliência e longevidade.
Girolando: a base da produção nacional e o equilíbrio entre volume e adaptação
A raça de vaca leiteira Girolando, oriunda do cruzamento entre a raça Holandesa e Gir, foi desenhada para os trópicos e se tornou a raça dominante em termos de presença nos rebanhos e leite produzido no Brasil.
A Associação Girolando reporta que a raça é responsável por cerca de 80% do leite produzido no país, graças à alta rusticidade, fertilidade e capacidade de produção em diferentes sistemas de pasto intensivo a confinamento.
Desempenhos médios históricos compilados pela Embrapa mostram produções em 305 dias ao redor de 3.900–4.300 kg por lactação em bases amplas de dados (Breno et al., 2009). No dia a dia, médias de 15–30 litros/dia são frequentemente observadas em sistemas brasileiros bem manejados, podendo chegar a 35 litros/dia em propriedades de referência.
De maneira geral, a raça Girolando não é, em média, a maior produtora por vaca (comparando-se à Holandesa), mas domina a produção nacional por adaptação e escala, resultando em excelente custo-benefício e rentabilidade em ambientes tropicais.
Guzerá leiteiro: animal de dupla aptidão com forte rusticidade
A raça Guzerá apresenta linhagens leiteiras com boa persistência, alta adaptação ao calor e resistência a parasitas, sendo opção em sistemas de duplo propósito (leite + carne). Histórico e relatórios técnicos destacam o uso do Guzerá em regiões adversas e sua contribuição para cruzamentos (ex.: Guzolando = Holandês × Guzerá). Produções em lactação variam amplamente conforme manejo e seleção, com vantagem econômica em aproveitamento de machos e menor custo sanitário (Gonsales, 2022)
Simental e o cruzamento Simlandês (Holandês × Simental)
A raça Simental tem animais de linhagem leiteira com dupla aptidão para carne, apresentam longevidade, rusticidade e bom teor de sólidos. No Brasil, o cruzamento com vacas leiteiras de raça Holandês tem sido estruturado como Simlandês, buscando heterose (fertilidade, CCS baixa, sólidos elevados).
Segundo dados da SIMBRASIL (Associação Brasileira de Criadores da Raça Simental), testes mostram uma produção de leite com teor de gordura em torno de 3,98% e proteína de 3,45%, com CCS muito baixa em rebanhos avaliados (Knob, Neto e Kappes, 2021)
Assim, para produtores com problemas de fertilidade e sanidade de úbere, o cruzamento Holandês × Simental pode manter boa produção e melhorar desempenho reprodutivo, além de propiciar renda adicional com bezerros machos valorizados para corte.
Qual é a raça leiteira mais produtiva e lucrativa dentro dos sistemas brasileiros?
A raça que mais produz leite, em condições ideais, é a Holandesa. Porém, em muitas regiões do Brasil, a Holandesa não é a mais produtiva na prática, devido ao calor e ao manejo inadequado. Nesses locais, a vaca Girolando produz mais leite, e de forma consistente ao longo do ano.
Já a lucratividade nos sistemas de produção leiteiros é altamente dependente do preço praticado na região em que a atividade está sendo desenvolvida, do custo com alimentação, da produtividade por vaca e por hectare, da eficiência reprodutiva e das bonificações por qualidade.
Na prática, em sistemas intensivos e bem manejados, com animais da raça Holandesa ou cruzamentos com alto nível tecnológico, a maior produção por vaca/dia tende a diluir custos fixos, aumentando a margem, desde que o custo alimentar por litro seja controlado. Além disso, a negociação entre produtores e laticínios, visando o pagamento por qualidade (sólidos), melhora significativamente a sustentabilidade financeira da atividade (CEPEA/USP, 2024).
Ou seja: “Mais leite” não é sinônimo automático de “mais lucro”. O que determina a lucratividade é o equilíbrio entre volume, sólidos, custo por litro, longevidade, fertilidade, sanidade e renda acessória (venda de bezerros, novilhas).
Um ponto indiscutível em qualquer sistema de produção animal é: animal doente e mal alimentado não produz! Portanto, a suplementação visa equilibrar energia, proteína, fibra efetiva, minerais, vitaminas e aditivos, ajustados à curva de lactação e ao nível de produção.
Checklist de suplementação da vacas leiteiras
Por esse motivo, vale a pena seguir um checklist prático de suplementação para aumentar a produtividade:
- Segmentar lotes por nível de produção (pico, meio, fim de lactação) e estado corporal; ajustar a relação volumoso:concentrado conforme a meta de litros/dia;
- Incluir PNDR (Proteína Não Degradável no Rúmen) e tamponantes (bicarbonato/óxido de magnésio) em lotes de alta produção, aliado ao monitoramento do pH ruminal via escore de fezes (indicador de acidose/subacidose);
- Garantir fibra efetiva, com tamanho de partícula adequado para evitar seleção da dieta no cocho, além de monitorar a umidade da dieta total em confinamentos (50–75% MS) (EMBRAPA, 2021);
- Em sistemas a pasto no período de seca, usar suplemento proteico e ajustar a oferta de forragem conforme a capacidade do pasto, sempre observando o comportamento animal para evitar efeito substitutivo (Teixeira et al., 2019);
- A rotina de cocho é um aspecto essencial. O manejo é extremamente importante para sistemas de produção eficientes. Ofertar dieta ajustada após ordenha (tarde/noite). Em sistemas com 3 ordenhas diárias, é importante dividir a dieta em pelo menos 3 tratos. Retirar as sobras diariamente para evitar fermentação e aproximar a comida no cocho pelo menos 3 vezes ao dia.
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