O solo abriga uma diversidade microbiana composta por bactérias, fungos e outros microrganismos, cuja interação com o ambiente físico (estrutura do solo, porosidade, umidade, nutrientes) e com a vegetação determina muitos processos importantes na decomposição da matéria orgânica, mineralização de nutrientes, fixação de nitrogênio, supressão de patógenos e promoção do crescimento vegetal.
O pastejo, quando realizado de forma severa, pode afetar o solo e sua microbiota, uma vez que a remoção da biomassa vegetal altera a produção de matéria acima do solo e, consequentemente, a liberação de exsudatos pelo sistema radicular, que são fonte de alimento para os microrganismos.
Além disso, o pisoteio, em condições de altas taxas de lotação, compacta o solo, reduz sua porosidade, altera a infiltração de água e o conteúdo de oxigênio ao longo do perfil do solo, impossibilitando o crescimento de raízes e a absorção de nutrientes.
Este artigo visa discutir como esses impactos ocorrem, quais sistemas de pastejo favorecem ou prejudicam o microbioma do solo, como isso se relaciona com a fertilidade e saúde das pastagens, e quais práticas de manejo podem preservar ou recuperar a microbiota do solo. Boa leitura!
O que é o microbioma do solo?
Microbioma do solo refere-se à comunidade microbiana completa do solo — tanto em termos de diversidade taxonômica (bactérias, fungos) quanto em termos funcionais (enzimas, metabolismo, decomposição, ciclagem de nutrientes) — assim como à interação desses microrganismos com o ambiente físico e químico do solo.
Pisoteio e tempo de descanso: como podem influenciar o microbioma do solo
O pisoteio de animais é uma das partes mais danosas do pastejo quando realizado em altas taxas de lotação animal e sem critérios técnicos, conforme já discutido no artigo sobre compactação do solo na pecuária.
A compactação causa um aumento na densidade do solo, diminuindo a porosidade e os espaços intersticiais para infiltração de água e ar (Richart et al., 2005). Isso reduz a oxigenação, prejudica organismos aeróbicos e favorece condições anaeróbicas.
Nessas condições, a infiltração da água e a retenção de umidade no solo são modificadas, impactando diretamente os microrganismos que dependem da umidade para suas atividades. Além disso, a intensa pressão de pastejo reduz a cobertura vegetal, deixando o solo mais exposto à ação do vento e da água das chuvas. Como consequência, a diminuição da matéria orgânica vegetal disponível compromete a liberação de exsudatos radiculares, essenciais para a alimentação dos microrganismos presentes no solo.
Estudos recentes mostram que, sob pastejo pesado, a diversidade microbiana tende a diminuir, especialmente fora da zona da rizosfera. Segundo pesquisas realizadas por Wang et al. (2024), o pastejo intenso reduziu a diversidade bacteriana no solo não rizosférico, associada à redução de fósforo disponível e nitrogênio amoniacal.
À medida que a intensidade do pastejo aumenta, há uma perda de cobertura vegetal, redução da matéria orgânica do solo e da umidade, o que leva a uma queda na diversidade microbiana, especialmente nas camadas superficiais (0–10 cm) (Wang et al., 2024).
Tempo de descanso
O tempo de descanso (ou intervalo sem pastejo) permite a recuperação da vegetação, da estrutura do solo e da microbiota.
Durante esse período, a vegetação recupera biomassa, altura, cobertura e raízes; isso aumenta a presença de carbono orgânico no solo por meio de folhas que caem, matéria vegetal degradada e exsudatos radiculares produzidos, que promovem substrato para os microrganismos.
Vários trabalhos mostram um efeito positivo no acúmulo de forragem em pastos de alta fertilidade (Hoeschl et al., 2007; Campos et al., 2016; Bernardi et al., 2018). Esse incremento na produção de massa de forragem possibilita ao pecuarista elevar a taxa de lotação, o que, consequentemente, aumenta o pisoteio na área.
Nessa situação, uma maneira eficaz de reduzir os impactos do pisoteio na resistência à penetração e na densidade do solo é oferecer um período de descanso adequado, permitindo que o solo recupere suas condições naturais. Um estudo de Lanzanova et al. (2007), que avaliou uma pastagem consorciada com aveia preta e azevém submetida a diferentes períodos de descanso (14 e 28 dias) e uma área sem pastejo, mostrou um aumento de 36,4% na resistência à penetração no sistema com 14 dias de descanso em comparação ao solo sem pastejo.
Já no sistema com 28 dias de descanso, esse aumento foi de apenas 30%. Isso demonstra que respeitar o tempo de descanso e a fisiologia das plantas é essencial para preservar a qualidade física e biológica do solo em áreas de pastagem.
Sistemas de pastejo que favorecem a diversidade microbiana
A qualidade do solo é definida como a capacidade deste em funcionar dentro do ecossistema, visando sustentar a produtividade biológica, manter a qualidade ambiental e promover a saúde das plantas e dos animais (Baretta, 2007; Baretta et al., 2010). Os organismos que habitam o solo são sensíveis às modificações de qualquer natureza (física, química e biológica) que ocorrem no ambiente. Por esse motivo, as práticas realizadas dentro dos sistemas de manejo de pastejo influenciam diretamente o microbioma do solo.
O pastejo contínuo, quando utilizado de maneira correta, com ajustes da taxa de lotação de acordo com a produção e acúmulo de massa de forragem, mantém um ambiente estável na relação solo:planta:animal. No entanto, em casos de alta taxa de lotação, é possível observar áreas com baixa cobertura do solo, solos compactados pelo pisoteio animal e, consequentemente, menor diversidade microbiana — com maior tendência à dominância de microrganismos tolerantes ao estresse, perda de matéria orgânica e solos mais empobrecidos física e quimicamente.
O mesmo pode acontecer com sistemas de pastejo rotacionado que não respeitam o período de descanso entre pastejos, essencial para restabelecer a massa de forragem e o sistema radicular da planta. Xun et al. (2018) mostraram que a diversidade microbiana é significativamente maior em pastejos leves a moderados, quando comparados a sistemas de pastejo intensivo em áreas rotacionadas, favorecendo a atividade enzimática, a biomassa microbiana e a ciclagem do carbono ativo.
Por outro lado, a ausência de pastejo ou a adoção de intervalos muito longos entre os pastejos também está associada à redução da atividade microbiana e ao menor acúmulo de carbono no solo (Oggioni, Ochoa-Hueso & Peco, 2020). Esses dados reforçam a importância de sistemas de produção animal a pasto que considerem, de forma integrada, a relação solo-planta-animal. O manejo adequado do pasto e do pastejo é essencial para promover a saúde biológica do solo.
Influência da microbiota sobre a fertilidade do solo e saúde das pastagens
A microbiota do solo está intimamente ligada à fertilidade por diversas vias:
- Mineralização de nutrientes: Microrganismos decompõem a matéria orgânica, liberando nitrogênio (N), fósforo (P), enxofre (S), entre outros, tornando-os disponíveis para as plantas. Quando a comunidade microbiana perde diversidade ou abundância, esse processo pode se tornar menos eficiente;
- Estrutura do solo: Fungos (especialmente micorrízicos) possuem hifas que ajudam na formação de agregados e manutenção da macroestrutura do solo; bactérias produzem exopolissacarídeos que estabilizam partículas do solo. Uma boa estrutura reduz a erosão, melhora a infiltração e retenção de água, além de favorecer o crescimento radicular;
- Ciclagem de carbono: O microbioma participa do ciclo do carbono no solo. Comunidades microbianas mais diversas tendem a manter mais carbono orgânico, tanto na forma lábil quanto recalcitrante. Em pastagens sob pastejo, alterações no microbioma podem mudar o equilíbrio entre decomposição rápida e lenta de carbono (Xun et al., 2018).
Ou seja, para manter solos saudáveis em ambientes de pastejo, é fundamental preservar a cobertura do solo. Ela reduz a erosão, protege contra o impacto direto das gotas de chuva, modera a temperatura, retém umidade e fornece substratos para os microrganismos. Além disso, quanto maior a diversidade de plantas, maior a variedade de exsudatos radiculares e resíduos vegetais com diferentes composições químicas, o que favorece nichos microbianos mais diversos.
Conclusão
O manejo adequado do pastejo é determinante para a manutenção da saúde biológica do solo. Práticas que equilibram a pressão de pastejo, respeitam os períodos de descanso e consideram a interação entre solo, planta e animal favorecem a diversidade microbiana, a ciclagem de nutrientes e a estrutura física do solo.
Por outro lado, tanto o pastejo excessivo quanto a ausência prolongada de animais podem comprometer esses processos. Portanto, sistemas de produção animal a pasto devem ser planejados com base em critérios técnicos, priorizando o uso racional da vegetação e a conservação do solo como base para uma pecuária sustentável e produtiva.
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