O rúmen é uma parte essencial do sistema digestivo de animais ruminantes. Ele desempenha um papel crucial na nutrição e sobrevivência desses animais.
Você deve estar pensando que os animais são chamados de ruminantes apenas devido ao rúmen, certo? Não, além do alimento que sofre fermentação no rúmen, os animais realizam uma ação conhecida como ruminação. Durante esse processo, os alimentos consumidos são temporariamente armazenados, regurgitados à boca e então mastigados novamente para auxiliar na decomposição e digestão mais eficiente do alimento.
Alguns exemplos de ruminantes incluem vacas, bois, ovelhas, cabras, veados, alces, girafas, búfalos, antílopes e camelos. Existem muitas outras espécies de ruminantes, mas esses são exemplos conhecidos e comuns. Neste artigo, abordaremos especificamente os bovinos.
Chegou a hora de você aprender sobre o funcionamento do rúmen, quais são os microrganismos envolvidos na fermentação e muito mais. Boa leitura!
Como o rúmen funciona?
Para responder essa pergunta devemos começar explicando o que é essa grande câmara fermentativa. Rúmen é o nome dado ao primeiro e maior dos quatro “estômagos” dos ruminantes, sendo três pré-estômagos: rúmen, retículo, omaso e um estômago verdadeiro, o abomaso.
O ambiente ruminal tem como características um meio anaeróbico, temperatura em torno de 38° a 42°C, pH variando de 5,8 a 7 e, quando completamente desenvolvido, apresenta vilosidades na sua parede, chamadas de papilas ruminais. Há também constante presença de substrato e de atividade fermentativa, embora com intensidades variáveis.
Essa estrutura propicia o aproveitamento de plantas fibrosas pelos ruminantes permitindo sua adaptação a variados ambientes do globo terrestre, o que contribuiu para a domesticação dos bovinos, capazes de converter plantas em alimentos nobres como carne e leite. Outro ponto positivo de aproveitar as forrageiras é que, a maioria da nutrição desses animais acaba não competindo por alimentos que possam ser utilizados para humanos.
Figura 01: Esquema ilustrativo do sistema digestivo de um bovino.
A digestão dos alimentos ingeridos ocorre por processo fermentativo com o auxílio de diversos microrganismos. Após ingerido e mastigado brevemente, o alimento é deglutido, seguindo em direção ao rúmen e, posteriormente, ao retículo. De lá, ele é enviado novamente para boca, onde ocorre uma nova mastigação para reduzir as partículas de alimentos para favorecer o ataque microbiano assim que o ruminante engole novamente o alimento.
O processo de fermentação é essencial para a obtenção de energia para o crescimento dos próprios microrganismos e para a produção de moléculas essenciais para o animal, como a glicose. A ação de microrganismos possibilita a quebra de carboidratos, a hidrólise e a biohidrogenação das gorduras presentes na alimentação e a produção de proteínas microbianas posteriormente aproveitadas pelo organismo do animal.
Assim, os microrganismos oferecem ao hospedeiro nutrientes dos alimentos que não poderiam ser digeridos de outra forma e, em contrapartida, os ruminantes fornecem à microbiota um ambiente adequado para seu crescimento e atividade. Para esse mecanismo de beneficiamento mútuo damos o nome de simbiose mutualística.
Saiba mais sobre os microrganismos do rúmen
A colonização dos pré-estômagos por microrganismos ocorre logo após o nascimento do animal e se intensifica nas primeiras semanas de existência. O ruminante adulto possui mais de um quatrilhão (1.000.000.000.000.000) de microrganismos essenciais como bactérias, archeas, protozoários e fungos.
Esses microrganismos são responsáveis pela digestão das fibras, produção de ácidos graxos voláteis, síntese de vitamina K e do complexo B, aminoácidos e proteínas. Diante desses fatos, é comum dizer que nutrimos não só os ruminantes, mas antes disso, nutrimos a microbiota ruminal.
Compreender os microrganismos do rúmen e seus papéis pode ajudar a revisar as práticas de manejo e nutrição em busca de índices zootécnicos ideais.
Bactérias
As bactérias constituem de 60 a 90% da biomassa microbiana, com mais de 400 espécies já isoladas do trato digestório de animais distintos com uma enorme variedade e complexidade. No mesmo mililitro de líquido ruminal, existem quase 100 bilhões de bactérias que são as mais ativas fermentadoras e as mais suscetíveis às propriedades físico-químicas do rúmen. Elas podem variar quanto à:
- Forma (cocos, bacilos, entre outras);
- Tamanho (0,5 a 2 µm de diâmetro / 1 a 6 µm de comprimento) e;
- Tipo de parede celular (gram-positiva e gram-negativa).
Algumas espécies são relativamente especialistas no uso de algum substrato, enquanto outras abrangem várias áreas e metabolizam inúmeras moléculas diferentes. Desta forma, também podemos agrupá-las em função de sua estratégia nutricional ou da sua característica fermentativa:
- Fermentadoras de carboidratos estruturais (celulolíticas ou fibrolíticas): Ruminococcus flavefaciens, R. albus, Fibrobacter succinogenes, Butyrivibrio fibrisolvens;
- Fermentadoras de carboidratos não-estruturais (amilolíticas e pectinolíticas): Bacteróides amylophilus, Ruminobacter amylophilus, Selenomonas ruminantium, Streptococcus bovis;
- Proteolíticas: Peptostreptococcus sp, Butyrivibrio sp, B amylophilus;
- Lipolíticas: Anaerovibrio lipolytica;
- Ureolíticas: Lactobacillus sp, Streptococcus sp.
Archeas (metanogênicas)
Representam esse grupo as espécies Methanobrevibacter sp, Methanonosarcina, dentre outros que convertem hidrogênio e gás carbônico (H2 e CO2) produzido pela comunidade de bactérias e fungos anaeróbicos em metano. O metano (CH4) emitido pelos ruminantes é um subproduto da fermentação ruminal e sua produção viabiliza o funcionamento do rúmen por servir como meio de “retirada” de hidrogênio e controle do pH.
Protozoários
Os protozoários, na sua maioria ciliados, são os maiores microrganismos unicelulares do rúmen, quase visíveis a olho nu. Quase 10 milhões de protozoários povoam apenas 1 mililitro de líquido ruminal, o que corresponde a aproximadamente 10% da biomassa total de microrganismos.
Os protozoários dividem-se em dois grupos:
- Entodiniomorfos: cuja função principal é a hidrólise e fermentação da celulose suspensa no fluido ruminal e;
- Holotriquias: digerem bactérias, grânulos de amido e fibras solúveis.
Esses micróbios estão envolvidos na redução do risco de acidose após a ingestão de alimentos com alta concentração de açúcares de fácil digestão.
Fungos
Os fungos correspondem a aproximadamente 8% da biomassa microbiana total, com espécies estritamente anaeróbicas que colonizam preferencialmente as fibras. Produzem enzimas celulolíticas poderosas para quebrar a fibra das forragens, tornando-as mais facilmente digeríveis.
Comparativamente, esta é uma população menor (10.000 fungos em 1 mililitro de líquido ruminal), contudo, os fungos são influentes no fornecimento de nutrientes pois, diferente das bactérias, conseguem penetrar através da cutícula das lâminas foliares de gramíneas e solubilizar a lignina.
Fermentação ruminal e sua produção de energia e proteína para bovinos
Após a digestão, os carboidratos das plantas e outros alimentos (celulose, amido e açúcares) serão fermentados a ácidos graxos de cadeia curta, os AGCC’s que podem ser: Ácido acético, propiônico e butirico.
Esses ácidos serão absorvidos pelas papilas da parede ruminal e utilizados no metabolismo animal como fonte de energia e proteína para manutenção, crescimento, lactação e reprodução.
Em ruminantes consumindo apenas volumoso, a fermentação ruminal origina misturas de AGCC’s que molarmente apresentam as seguintes proporções: 60 a 72% de ácido acético, 15 a 23% de ácido propiônico e 12 a 18% de ácido butirico, sendo que as variações observadas nestas proporções são decorrentes do tipo e qualidade de dieta.
Além da transformação dos alimentos, temos também a multiplicação das bactérias se utilizando das proteínas e outras fontes de nitrogênio ingeridos (ureia, por exemplo). Esses microrganismos eventualmente saem do rúmen ou morrem, são digeridos no abomaso e absorvidos no intestino como fonte de proteína microbiana para os animais.
Já os lipídeos/gordura serão quebrados em glicerol e ácidos graxos de cadeia longa, sendo o primeiro fermentado até AGCC e o segundo hidrogenado, ou seja, as ligações duplas e triplas da cadeia de carbono são convertidas em ligações simples. Os AGCC´s são assimilados no rúmen, enquanto os demais nutrientes se dirigem aos compartimentos digestivos subsequentes.
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Por que o equilíbrio do pH ruminal é importante?
O valor de pH ruminal depende de vários fatores, porém tende a diminuir naturalmente após cada refeição e aumentar novamente quando o animal mastiga, pois, a saliva gerada nesse processo (de 60 a 160 litros diários em bovinos adultos) é um tamponante natural.
Fatores como tipo e qualidade de alimento ingerido, alteração na frequência de fornecimento, mudanças abruptas na dieta ou estresse podem causar alterações no pH do rúmen e levar a problemas de desempenho e/ou saúde.
No caso de dietas ricas em forragens, o pH tende a manter-se equilibrado em torno de 6,2 a 7. Quando os animais consomem elevados percentuais de grãos na sua dieta, o pH tende a cair, causando prejuízos aos microrganismos.
Os protozoários e bactérias celulolíticas, necessitam de pH de 6,2 ou mais alto enquanto as bactérias amilolíticas são ativas em condições mais ácidas com pH em torno de 5,8. Se o pH do rúmen cai abaixo de 5,4 e permanece lá, a população de microrganismos se torna coletivamente produtora de ácido lático, sendo que o acúmulo desse ácido pode paralisar os músculos, incluindo o diafragma, e levar o animal à morte.
Felizmente, os microrganismos do rúmen podem se adaptar a quase tudo, desde que a mudança de dieta seja introduzida lenta e intencionalmente por alguns dias ou até semanas.
Em confinamentos, a inclusão progressiva de amido no plano alimentar por 14 dias, apresenta-se como abordagem técnica e financeiramente mais vantajosa do que prover imediatamente a dieta de engorda. Esse manejo permite que as papilas ruminais aumentem de 55 a 85 vezes sua área de absorção de nutrientes além da mudança do perfil microbiológico e aumento do número de bactérias no rúmen.
A má função ruminal se torna visível quando há queda na ingestão de alimentos, mudança nos escores de esterco, problemas metabólicos e ganhos mais baixos.
Como trabalhar a suplementação otimizando o ambiente ruminal?
A melhoria do ambiente ruminal através do fornecimento de suplementos pode auxiliar na redução do impacto ambiental, aprimorar a eficácia na transformação de alimento em itens como carne e leite e ainda ter efeitos sobre a qualidade destes produtos.
Pesquisas mostram ser possível manipular o rúmen para dobrar ou triplicar a população ruminal apoiando-se em um programa de nutrição equilibrado e uso de aditivos alimentares que proporcionam melhor eficiência e aproveitamento da dieta.
A suplementação mineral, juntamente com energia e/ou proteína na criação de bovinos de corte, é determinada conforme o valor nutritivo da forragem ou o rendimento previsto.
Na época das secas, quando as pastagens apresentam comumente teores de PB abaixo de 7%, a suplementação proteica favorece o crescimento das bactérias fibrolíticas, aumenta a taxa de digestão e a síntese de proteína microbiana. Consequentemente, aumenta o consumo da forragem permitindo uma melhora tanto no status energético quanto proteico dos animais.
A suplementação energética é especialmente importante para a atividade ruminal, pois a capacidade dos bovinos em utilizar a proteína das forragens pode ser limitada caso não haja quantidade adequada de energia no meio. Contudo, é necessário que esta suplementação seja feita de maneira estratégica para não ocorrer o efeito de substituição.
Outro ponto importante a ser abordado é a suplementação mineral. Uma vaca pastando com energia e proteína adequadas, mas com minerais inadequados, resulta em um desequilíbrio dos microrganismos presentes no rúmen. Nível de fósforo (P) extremamente baixo na dieta pode inibir crescimento microbiano, por ser um mineral essencial ao crescimento dessa população e importante constituinte das paredes das células microbianas.
Mais microrganismos tendem a aumentar o consumo de pastagem pelo aumento da taxa de passagem do alimento. Há maior ataque dessa fibra, otimizando o uso e a absorção dos nutrientes, impactando diretamente a digestibilidade da matéria seca da dieta e maior desempenho animal.
Mesmo com o alto volume de conhecimento nesta área, ainda há muitos desafios para o desenvolvimento da pecuária tropical, pois a peculiaridade desses animais quanto a degradação da fibra e produção de metabólitos secundários traz questionamentos constantes.
Investigações aprofundadas da microbiota, interações alimentares e de todo o ecossistema ruminal tornam-se ferramenta chave para a contínua otimização da conversão alimentar e produção animal.
O Foscálcio 19 tem a caraterística de partículas de granos irregulares, justamente para que haja uma lenta e constante liberação de P no trato gastrointestinal. Além disso, tem entre 10-15% de fósforo na forma monocálcica que tem alta solubilização no rúmen, estando disponível para o ataque microbiano maximizando a multiplicação de microrganismos celulolíticos, responsáveis pela fermentação e absorção da fibra do pasto. Saiba mais sobre a linha de produto Foscálcio.
Artigo escrito por Letícia M. Castro | Especialista em Desenvolvimento de Mercado em Nutrição Animal da Mosaic Fertilizantes.
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