Controle de qualidade, fornecedores e matérias-primas na produção de alimentos para animais

7 min de leitura

Tudo o que oferecemos aos animais retorna à nossa mesa. Essa afirmação reforça a responsabilidade do setor e evidencia o papel crítico das fábricas de nutrição animal na garantia da qualidade e segurança dos alimentos que consumimos.

Na prática, corrigir falhas ou eliminar contaminantes das matérias-primas após sua chegada é quase impossível. Por isso, a qualificação criteriosa de fornecedores é essencial. É preciso priorizar parceiros que, além de capacidade de entrega, sejam idôneos e assegurem conformidade com padrões de qualidade, segurança e rastreabilidade, conforme exigido pela legislação do MAPA.

A gestão da qualidade nas fábricas de suplementos e rações deve incluir rotinas rigorosas para garantir matérias-primas nutritivas, seguras e livres de contaminantes químicos, físicos e biológicos. Afinal, estamos falando de segurança alimentar: do campo até o consumidor final.

Neste artigo, você vai entender o cenário da produção de alimentos para animais no Brasil, os impactos financeiros, no desempenho animal e na saúde humana causados por matérias-primas fora da especificação, além da importância do monitoramento dos pontos críticos do processo industrial e das estratégias para controle dos principais contaminantes presentes nas matérias-primas. Boa leitura!

Cenário atual

O relatório “Perspectivas Agrícolas da OCDE e FAO 2025–2034” aponta para um crescimento contínuo da demanda nos mercados agropecuários nos próximos dez anos, impulsionado pelo aumento da renda per capita em países de classe média e pelo crescimento populacional.

A demanda por alimentos de origem animal deve crescer 6%, sendo 25% desse aumento concentrado em países de renda média-baixa. Para atender essa demanda, será necessário um avanço de 14% na produção agropecuária, sustentado por investimentos em tecnologia, capital e maior uso de insumos, como fertilizantes e alimentos para animais.

O Brasil se consolida como um dos principais protagonistas globais na produção de alimentos, não apenas de grãos, mas também de proteína animal, sendo reconhecido como um verdadeiro hipermercado do mundo. Segundo o SIPEAGRO (Sistema Integrado de Produtos e Estabelecimentos Agropecuários), o país conta atualmente com mais de 4.000 estabelecimentos registrados como fabricantes de alimentos para animais. Esse número reforça a importância de processos rigorosos de qualificação de fornecedores e controle de insumos, garantindo que cada elo da cadeia contribua para a segurança alimentar nacional e internacional.

De acordo com dados do Sindirações, a projeção para 2025 é de uma produção de 94 milhões de toneladas entre rações, concentrados e suplementos, com destaque para o consumo de 60 milhões de toneladas de milho e 20 milhões de toneladas de farelo de soja.

Estimativa e previsão da produção da indústria de alimentação animal

Figura 01: Estimativa e previsão da produção da indústria de alimentação animal (milhões tons) para 2024 e 2025, respectivamente. (Sindirações – Boletim Informativo do Setor Maio/2025)

O crescimento do setor segue o ritmo da expansão na produção de proteína animal. Segundo a CONAB, a projeção para 2025 indica que o Brasil deve produzir 15,9 milhões de toneladas de carne de frango, 5,8 milhões de toneladas de carne suína e 10,6 milhões de toneladas de carne bovina. Além disso, a produção de ovos deve alcançar 62 bilhões de unidades, posicionando o país entre os dez maiores consumidores per capita do mundo.

Para sustentar esse desempenho, é essencial que a indústria de nutrição animal esteja preparada para oferecer produtos conformes, nutricionalmente eficientes e, principalmente, seguros. Isso porque contaminantes presentes nas matérias-primas podem não apenas causar danos diretos aos animais, mas também percorrer toda a cadeia produtiva e, inevitavelmente, chegar à mesa do consumidor.

O que aconteceria com a sua empresa se algum produto fosse responsável pelo óbito de animais devido ao uso de matéria-prima fora da especificação técnica?

Imagine o impacto para sua empresa se um produto causasse o óbito de animais por utilização de matéria-prima contaminada. Além das consequências éticas e legais, os riscos são graves e afetam diferentes áreas:

  • Financeiros: prejuízos com devoluções, perda de credibilidade da marca, redução de mercado e ações judiciais;
  • Desempenho animal: queda na produtividade, problemas de saúde e aumento da mortalidade;
  • Saúde humana: contaminantes podem seguir pela cadeia alimentar e chegar à mesa do consumidor.

Por isso, os critérios utilizados na aquisição das matérias-primas devem ir muito além do preço e considerar fatores essenciais, como registro no MAPA do fornecedor e da matéria-prima (quando aplicável), capacidade de fornecimento contínuo, idoneidade do fornecedor, ficha técnica e rotulagem clara conforme os parâmetros de compra definidos. Em alguns casos, ensaios in vivo são necessários para validar o desempenho e a segurança dos insumos.

Esses cuidados estão previstos nas Boas Práticas de Fabricação (BPF) e são fundamentais para proteger a integridade do produto, a saúde dos animais e a reputação da empresa.

Por onde começar?

Todos os estabelecimentos que produzem alimentos destinados à nutrição animal devem estar registrados no MAPA e seguir as Boas Práticas de Fabricação (BPF), conforme a Instrução Normativa nº 04/2007, que define requisitos higiênico-sanitários e operacionais para toda a cadeia produtiva, desde a aquisição das matérias-primas até a distribuição do produto acabado.

Um dos pontos centrais das BPF é a qualificação de fornecedores e o controle das matérias-primas, garantindo que os insumos estejam em conformidade com os padrões de qualidade e segurança exigidos. Esse processo é essencial para prevenir a entrada de contaminantes e assegurar a integridade dos produtos destinados à alimentação animal e, consequentemente, à saúde humana.

Passo 1: Usar somente de matérias-primas autorizadas pelo MAPA

O primeiro passo para uma qualificação eficiente é utilizar apenas matérias-primas que constem na lista oficial de ingredientes e veículos autorizados pelo MAPA, publicada pela IN nº 110/2020 e pela Portaria nº 359/2021. Essa lista está disponível no site do MAPA e é atualizada a cada dois meses. Se uma matéria-prima não estiver na lista, ela não pode ser utilizada até que seja oficialmente incluída.

Passo 2: Definir o padrão de identidade da matéria-prima a ser adquirida

O próximo passo é estabelecer um padrão de identidade, tanto em termos de composição quanto de segurança, para cada insumo que será adquirido, por meio da criação de uma Ficha Técnica.
Essa ficha deve conter parâmetros bromatológicos, características físicas e limites de contaminantes químicos, físicos e biológicos, garantindo que a matéria-prima recebida esteja dentro dos padrões esperados e segura para uso. É importante lembrar que cada fábrica pode ter necessidades específicas, e os parâmetros devem ser ajustados conforme a realidade de cada operação.

Parâmetros Bromatológicos Parâmetros FísicosContaminantes QuímicosContaminantes FísicosContaminantes Biológicos
Umidade Proteínas Lipídios Carboidratos FB, FDN, FDA Matéria MineralAlvura (cor) Odor Granulometria DensidadeMetais pesados Flúor Dioxinas e PCB’s Micotoxinas Pesticidas Medicamentos veterináriosMetal Vidro Madeira Plástico  Salmonella, Listeria, E. coli.

Para alguns contaminantes, existem legislações nacionais que estabelecem limites permitidos e controles obrigatórios. No entanto, nem todos os riscos estão previstos em normas. Nesses casos, é necessário realizar uma avaliação detalhada do processo, identificando os pontos críticos e os riscos associados a cada tipo de matéria-prima. Essa análise deve utilizar referências técnicas, como estudos científicos e guias especializados, incluindo o Compêndio Brasileiro de Alimentação Animal do Sindirações, o Manual Pet Food Brasil, da Abinpet, além de normas internacionais como FAO, FDA e Codex Alimentarius.

Abaixo, estão as principais fontes de contaminantes e as referências normativas utilizadas:

MATÉRIA-PRIMA ASSOCIADACONTAMINANTENORMATIVA
Fosfato Bicálcico/ MonobicálcicoFlúorIN 110/20 e Portaria 359/21 (MAPA) Limites máximos de Flúor para fontes de fósforo de origem mineral.
Ingredientes minerais (ex.: Calcário, Fosfato Bicálcico e Fosfato monobicálcico )Metais Pesados (Chumbo, Arsênio,Cádmio, Mercúrio)REGUL. (UE) 1275/13 de 6.12.2013/19/1869 de 7.11.19.  Referências técnicas e avaliação laboratorial
Óleos vegetais, gorduras animais, óleo de peixeDioxinas e FuranosIN 09/16 (MAPA) Limites máximos de dioxinas e furanos (PCDD/F) e bifenilas policloradas sob a forma de dioxinas (PCBs-dl).
Milho, Trigo, Farelos,MicotoxinasPORTARIA1412/25: Limites Máximos de micotoxinas para cães e gatos IN 04/07 (MAPA) – Boas Práticas de Fabricação  
Ingredientes de origem animal, FarelosSalmonella spp.IN 38/ 2015: Regulamento tecnológica do processamento de resíduos de animais- GRAXARIAS IN 04/07 (MAPA) – Boas Práticas de Fabricação
Matéria-prima mal processada ou mal armazenadaFragmentos de vidro, plástico, metalIN 04/07 (MAPA) – Boas Práticas de Fabricação
Água utilizada na produção ou limpeza de utensílios e equipamentosÁgua fora do padrão de potabilidadePortaria  888/21 (Ministério da Saúde).  Referência para limites de contaminantes e padrão de potabilidade da água
Ureia PecuáriaFormol, BiuretoReferências técnicas e avaliação laboratorial

Passo 3: Qualificar fornecedores

Na qualificação de fornecedores, um requisito obrigatório é que o estabelecimento fabricante esteja registrado no MAPA, com exceção de alguns casos específicos, como fornecedores de grãos in natura (ex.: milho), que podem ser isentos. Esse registro é essencial para garantir que o local esteja em conformidade com as Boas Práticas de Fabricação (BPF).

A qualificação de fornecedores pode ser realizada por meio de formulários técnicos, nos quais o fornecedor informa dados sobre estrutura, processos e controles de qualidade. Sempre que possível, é recomendável realizar auditorias presenciais para validar as informações fornecidas e verificar as condições reais de produção.

Cuidados operacionais e monitoramento contínuo

Após todos os cuidados na qualificação de fornecedores e matérias-primas, é essencial manter um monitoramento constante desde o recebimento até o armazenamento, passando por análises laboratoriais e cuidados operacionais dentro da fábrica ao longo de todo o processo produtivo.

No recebimento das matérias-primas, realizado em local coberto e específico para esse fim, é fundamental verificar se os insumos foram transportados adequadamente em veículos lonados, limpos e livres de contaminantes.

Antes de aceitar a carga, deve-se realizar a coleta de amostras representativas, que serão armazenadas como contraprova. A amostragem é considerada o ponto crítico dos processos fabris, pois erros nessa etapa podem comprometer a confiabilidade dos resultados e levar a decisões equivocadas.

Parte dessas amostras deve ser enviada para análise conforme o plano anual de monitoramento laboratorial, estruturado com base nos parâmetros definidos na Ficha Técnica de cada insumo. Esse plano permite verificar se os insumos estão dentro dos padrões estabelecidos, identificar desvios de qualidade ou segurança e apoiar ações preventivas e corretivas com agilidade.

Além das análises internas, é recomendável solicitar laudos frequentes aos fornecedores, que podem complementar as análises próprias, desde que sejam confiáveis e emitidos por laboratórios acreditados. É importante lembrar que nem sempre as análises laboratoriais indicam a biodisponibilidade dos nutrientes.

Por exemplo, a Proteína Bruta de uma farinha de pena pode estar dentro do valor esperado, mas sua digestibilidade ser baixa. A solubilidade de minerais também pode variar, afetando a absorção pelos animais. Por isso, em alguns casos, é recomendável conhecer profundamente os processos de produção do insumo e realizar ensaios in vivo para validar o desempenho real dos ingredientes.

Na etapa de armazenamento, é fundamental que as matérias-primas sejam acondicionadas em local seco e arejado, sobre estrados e separadas umas das outras para evitar contaminações.

Mesmo com matérias-primas de qualidade, falhas no processo podem comprometer o produto final. Os principais riscos incluem:

  • Contaminação cruzada entre ingredientes ou produtos;
  • Falhas na higienização de equipamentos, que podem permitir a proliferação de microrganismos;
  • Falhas no controle de pragas, com risco de contaminação gerando Botulismo ou Encefalopatia Espongiforme Bovina;
  • Higiene pessoal e comportamento dos colaboradores, que devem seguir protocolos rigorosos para evitar contaminações como E. coli;
  • Formação de dioxinas em processos térmicos a partir da queima de pneus ou madeira inadequada;
  • Formação de fungos em rações peletizadas e ensacadas ainda quentes.

Os cuidados operacionais são parte essencial das BPF e devem ser incorporados à rotina da equipe de qualidade, sendo monitorados e verificados por meio de formulários em cada etapa produtiva.

Conclusão

O controle de qualidade não pode ser visto como um custo, mas sim como um investimento estratégico. Como disse Robert Collier: “O sucesso é a soma de pequenos esforços repetidos diariamente.” E esse princípio se aplica diretamente à rotina das fábricas de nutrição animal.

Produção de rações seguras e eficazes dependem de monitoramento constante, atenção aos detalhes, e comprometimento com cada etapa do processo — do recebimento das matérias-primas até o produto final no cocho. Garantir que os insumos estejam dentro das especificações, que os fornecedores sejam qualificados, que os riscos sejam controlados e que os processos sejam auditáveis é o caminho para evitar perdas, proteger a saúde animal e humana, e fortalecer a reputação da empresa.

Assim, o controle de qualidade não tem atalhos e, definitivamente, não tem poupança. Ele exige esforço contínuo, decisões técnicas bem fundamentadas e uma equipe alinhada com o propósito de entregar excelência todos os dias.

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